4 milhões de americanos perdem direito ao voto por condenações penais, com desigualdade racial persistente

4 milhões de americanos perdem direito ao voto por condenações penais, com desigualdade racial persistente

Em 2024, cerca de The Sentencing Project estima que 4 milhões de americanos — 1,7% da população em idade de votar — estão impedidos de votar por causa de condenações por crimes graves. É um recuo significativo em relação aos 6,11 milhões de 2016, mas ainda assim, um número que silencia vozes de uma comunidade inteira. O que mais choca não é só o total, mas quem está sendo silenciado: um em cada 16 adultos negros em idade de votar perdeu esse direito — uma taxa 3,7 vezes maior que a de não negros. Isso não é um acidente histórico. É um sistema que ainda opera com as mesmas marcas da desigualdade racial que a América prometeu superar.

Por que a Florida é o epicentro da desenfranqueação

Florida lidera o país em números absolutos: mais de 1,1 milhão de pessoas estão proibidas de votar. Desses, quase 900 mil já cumpriram pena — prisão, liberdade condicional, tudo. Mas ainda assim, não podem votar. Por quê? Porque não conseguem pagar multas judiciais. O estado não informa o valor exato que falta, nem oferece mecanismos claros para quitação. É um sistema que transforma pobreza em punição permanente. Em 2018, os eleitores de Florida aprovaram por referendo a restauração automática dos direitos políticos para condenados — mas a assembleia estadual, meses depois, aprovou uma lei exigindo que todos os débitos fossem pagos antes da restauração. O resultado? Um vácuo legal que deixou centenas de milhares presos em um limbo burocrático. Em outubro de 2020, uma decisão federal que havia derrubado essa exigência foi revertida pela Corte de Apelações do Undécimo Circuito, desenfranqueando de novo cerca de 774 mil pessoas apenas um mês antes da eleição presidencial. Foi um golpe político disfarçado de jurisprudência.

Desigualdade racial: dados que não deixam dúvidas

Enquanto 1,7% da população não negra está desenfranqueada, 6,2% dos adultos negros — mais de um em cada 16 — não podem votar. Em Alabama, Mississippi e Tennessee, mais de 8% da população adulta está impedida de votar por causa de condenações penais. Em Arizona, cerca de 200 mil pessoas estão excluídas — e a maioria é negra ou latina. O The Sentencing Project aponta que esse padrão não é acidental: ele se repete em todos os estados que mantêm restrições pós-sentença. A razão? A criminalização desproporcional de comunidades negras e latinas, combinada com taxas de multas e restituições que são impossíveis de pagar para quem vive na pobreza. É um ciclo: prisão → dívidas judiciais → impossibilidade de votar → invisibilidade política → falta de pressão para mudar as leis.

Reformas que estão mudando o jogo

Mas há luz no fim do túnel. Em 2023, Minnesota aprovou uma lei que restaura automaticamente o direito ao voto assim que a pessoa sai da prisão — beneficiando cerca de 55 mil pessoas. Nebraska seguiu o mesmo caminho, liberando mais de 7 mil. No Colorado, parceiros locais estão trabalhando para garantir que todos os presídios ofereçam votação presencial. Em Iowa, um decreto executivo de 2020 reenfranqueou dezenas de milhares. E mesmo em estados conservadores, há movimento. O que antes parecia impensável — restaurar direitos a ex-presidiários — agora é discutido em assembleias estaduais de ambos os partidos. O Brennan Center chama isso de “potencial bipartidário” no combate à desigualdade eleitoral.

Quem pode votar na prisão? Apenas dois estados e o Distrito de Columbia

Quem pode votar na prisão? Apenas dois estados e o Distrito de Columbia

Enquanto 48 estados proíbem votação durante a prisão, apenas Maine e Vermont permitem que pessoas condenadas votem mesmo atrás das grades. O ex-candidato presidencial Bernie Sanders, de Vermont, defende que todos os presos devem votar — e não é só um ideal. Um estudo de 2021 mostrou que menos de 10% dos eleitores elegíveis em prisões de Vermont e Maine votaram em 2018. Ou seja: mesmo que todos os outros estados permitissem votação na prisão, o impacto eleitoral seria mínimo. O problema real não é o voto dos presos — é o voto retirado dos que já pagaram sua dívida com a sociedade.

O que vem a seguir? O futuro da restauração de direitos

Em 2024, a luta não está mais apenas em protestos. Está em tribunais, em leis estaduais e em campanhas de conscientização. O The Sentencing Project está em parceria com mais de 30 grupos estaduais para pressionar por reformas. A próxima fronteira? Eliminar a exigência de pagamento de multas como condição para restauração de direitos. Em 2023, a Suprema Corte de Florida recusou-se a analisar um caso sobre isso — deixando a injustiça em vigor. Mas em outros estados, como California e Virginia, propostas para tornar a restauração automática estão em tramitação. O que está em jogo? Não é só o direito de votar. É a dignidade de ser considerado cidadão novamente.

As raízes históricas de uma injustiça sistêmica

As raízes históricas de uma injustiça sistêmica

As leis de desenfranqueamento por condenação não surgiram por acaso. Elas se expandiram após a Guerra Civil, como forma de manter sob controle a população negra recém-libertada. No século XX, elas foram usadas para silenciar ativistas do movimento pelos direitos civis. Hoje, mesmo com a mudança de retórica — “justiça”, “responsabilidade”, “reabilitação” — o efeito é o mesmo: exclusão. Estudos de 2002 sugerem que, se os condenados pudessem votar, eleições presidenciais e senatoriais teriam tido resultados diferentes. Em 2020, o voto de apenas 70 mil pessoas em três estados teria mudado o resultado da eleição presidencial. Mas ninguém sabe exatamente quantos desses eleitores poderiam ter votado — porque o sistema os fez desaparecer da contagem.

Frequently Asked Questions

Por que o pagamento de multas ainda é um obstáculo para o voto em muitos estados?

Em estados como Florida e Arizona, a lei exige que ex-presidiários paguem todas as multas, taxas e restituições antes de recuperar o direito ao voto. Mas muitos não recebem notificações claras sobre o valor exato devido, e os sistemas de cobrança são caóticos. Isso transforma a pobreza em uma barreira legal, mesmo após o cumprimento da pena. A Suprema Corte já disse que não se pode negar o voto por incapacidade de pagar — mas a aplicação é desigual.

Como a desenfranqueação afeta as comunidades negras de forma duradoura?

Ao impedir que um em cada 16 adultos negros vote, o sistema desestimula a participação política dessas comunidades. Isso reduz a pressão por políticas públicas que beneficiem essas áreas — como investimentos em educação, saúde e policiamento comunitário. O resultado é um ciclo: criminalização → exclusão política → negligência governamental → maior criminalidade. É um sistema que se alimenta de si mesmo.

Quais estados estão liderando as reformas de restauração de direitos?

Minnesota, Nebraska e Colorado são os mais avançados em 2024, com leis que restauram automaticamente o voto após a liberação da prisão. Iowa eliminou a desenfranqueação permanente por decreto. Virginia e Califórnia têm propostas em tramitação. Mesmo em estados republicanos, como Utah e Texas, há movimentos para reduzir restrições — mostrando que a reforma não é mais uma questão partidária, mas de justiça.

O que o Congresso federal poderia fazer para resolver isso?

O senador Benjamin L. Cardin apresentou o Democracy Restoration Act em 2017, que propunha restaurar automaticamente o voto a todos os ex-presidiários após o cumprimento da pena — independentemente de multas. Embora nunca tenha sido aprovado, ele serve como modelo. A ação federal é necessária porque o sistema atual permite que estados como Florida mantenham leis que violam princípios básicos de igualdade eleitoral.

A restauração do voto realmente muda resultados eleitorais?

Estudos sugerem que sim — mas não por causa dos votos de quem está na prisão. O impacto real vem dos ex-presidiários que já pagaram suas dívidas, mas ainda não podem votar. Em eleições apertadas, como a de 2000 ou 2020, a soma de votos perdidos em estados-chave poderia ter mudado o resultado. O problema não é o número de votos, mas o fato de que milhões de cidadãos são excluídos do processo democrático por razões que não têm nada a ver com segurança pública.

Como posso ajudar a restaurar o direito ao voto de ex-presidiários?

Apóie organizações como The Sentencing Project e grupos locais que trabalham em campanhas de conscientização. Pressione seus representantes estaduais para aprovar leis de restauração automática. E, se você mora em um estado com restrições, ajude ex-presidiários a entender seus direitos — muitos nem sabem que já podem votar.

Comentários (1)

  • EDMAR CALVIS

    EDMAR CALVIS

    Isso aqui não é só uma questão jurídica - é uma falha moral do sistema democrático. Quando você impede alguém de votar por não pagar uma multa que nem sabe o valor exato, você está transformando justiça em extorsão. E o pior: isso atinge desproporcionalmente negros e pobres. É apartheid com outro nome. A Constituição fala em igualdade, mas a lei prática fala em controle social. Não é acidente. É projeto.

    novembro 21, 2025 AT 13:27

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